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domingo, 30 de novembro de 2014

Torcedor se pergunta onde está o craque que fez do Botafogo um clube glorioso

Heleno de Freitas, Nílton Santos, Didi, Gérson e Garrincha. Zagallo, Jairzinho, Paulo Cezar e Marinho Chagas. Carlos Alberto Torres, Amarildo, Leônidas e Paulo Valentin. O Manga dos melhores dias e mais aqueles que, por imperdoável falha de memória de quem escreve, deixam de ser citados. Poucos clubes podem se orgulhar de ter tido, vestindo sua camisa, estrelas de tal grandeza. Na avaliação de quem gosta de futebol (ou de quem é capaz de gostar de futebol independentemente das paixões clubísticas), o Botafogo é o clube “do craque”, do jogador de exceção, do artista que contribui com brilho para a beleza do espetáculo. Não por acaso, todos acima, e mais eventuais omitidos, tiveram lugar na seleção brasileira. Juntos ou em diferentes épocas. É verdade que esse Botafogo — o que se ia ver, qualquer que fosse o adversário — já pertence ao passado. Talvez esteja justamente no detalhe, a ausência de craques, a principal causa dos desempenhos não à altura de sua história nas últimas duas décadas. Depois do título brasileiro de 1995 (no qual Túlio Maravilha era o que de mais próximo havia de um craque de seleção), o Botafogo vem tropeçando em maus resultados, incluindo um rebaixamento (2002) e algumas ameaças, compensados por quatro títulos estaduais (1997, 2006, 2010 e 2013), títulos estes menos comemoráveis hoje do que foram no passado. Como coisa que só acontece ao Botafogo, outros clubes parecem não precisar tanto do jogador de exceção para se sair bem. Clarence Seedorf? Bem que o Botafogo tentou, mas, em fim de carreira, o holandês não foi o bastante para lhe devolver a magia. Essa magia começa mesmo com Heleno de Freitas. Foi ele o primeiro de seus jogadores a ser titular absoluto da seleção e, de certa forma, representar o próprio espírito botafoguense: impetuoso, brigão, nervos estropiados, mas genial. Na busca da perfeição, uma das marcas do jogador alvinegro, Heleno representou o mesmo papel do presidente Carlito Rocha no quesito superstição. Assim como o craque não perdoava gol perdido, Carlito vivia de rezas, cismas, crenças, medos, mas nada de mal que o cão Biriba não pudesse neutralizar. Carlito e Biriba foram campeões cariocas de 1948. Heleno, não. Trocou o Botafogo pelo Boca Juniors no mesmo ano em que Nílton Santos estreou. Por ordem de entrada, Nílton é o segundo da galeria. O mesmo Carlito que dispensou Heleno descobriu no pretenso atacante que chegava um excepcional jogador de defesa. O melhor deles, elegante, clássico, moderno, eterno. Quase se pode dizer que nenhum outro tem o nome tão fortemente ligado ao do Botafogo. Didi e Gérson poderiam estar no mesmo caso, não tivessem, diferentemente de Nílton Santos, vindo de outros clubes e em outros clubes encerrado suas carreiras. Mas só o torcedor cego leva isso em conta. Os dois foram os mais luminosos meias de ligação que pisaram campos brasileiros. Perfeitos no passe longo e na armação, tinham estilos diferentes: Didi mais frio, Gérson arrebatado; Didi mais sinuoso, Gérson retilíneo; Didi tratando a bola como “criança”, Gérson fazendo com ela o necessário, do toque mais sutil ao bico para longe. O Botafogo era mais Botafogo com eles. E um e outro nunca foram tão eles mesmos como no Botafogo. A regra vale para mais gente. CELEIRO DE CRAQUES PARA A SELEÇÃO Zagallo, por exemplo. Quem se lembra dele no juvenil do América ou como tricampeão pelo Flamengo? No Botafogo, como ponta armador, forjou não só um estilo de jogo no futebol brasileiro mas, principalmente, seu futuro como treinador. Um vencedor. Exatamente como o Botafogo de então. Foi lá que aposentou as chuteiras para começar a ser o mais bem sucedido técnico do país. Os estatísticos costumam dizer que o Botafogo é o clube que mais craques deu à seleção em jogos oficiais e o que teve mais jogadores entre os campeões do mundo. Mesmo sem conferir tais números, não se pode negar os papéis decisivos que representaram — além de Nílton, Didi, Gérson e Zagallo — o possesso Amarildo e o furacão Jairzinho. Por 11 dias, no Chile, em 1962, Amarildo fez o que parecia impossível: o Brasil não sentir falta de Pelé. Em 1970, Jairzinho explodiu como um dos maiores atacantes do mundo, condição da qual pôde se orgulhar por muitos anos. Amarildo ainda se destacou na Itália. Jairzinho não teve a mesma sorte na França. Da mesma geração é Paulo Cezar, o Caju, jogador completo, sempre melhor em clube, o Botafogo em primeiro lugar, que na seleção. Nas últimas duas décadas críticas, Botafogo não tem jogador como o Caju. Recuando na formação tática, temos os três zagueiros e o goleiro citados. Com a missão de substituir Nílton Santos, quando este, já como zagueiro, parou de jogar, Sebastião Leônidas talvez tenha sido o melhor de sua época. Teria provado isso em 1970, não fossem os problemas médicos que o tiraram da Copa. Carlos Alberto Torres e Marinho Chagas, laterais, seriam hoje conhecidos como alas e não como zagueiros. Marinho tinha técnica assombrosa. Seu domínio de bola misturava mágica e acrobacia, classe e estilo. Carlos Alberto é outro tipo de lateral. Não erram os que o tem como o melhor de todos os tempos, pela técnica, pela precisão do passe, pela convicção com que se projetava ao ataque, numa antecipação do que seriam os laterais do futuro. Como botafoguense, porém, marcou menos presença que outros, por ter jogado mais pelo Fluminense e pelo Santos. Manga é outro caso à parte. Por um período, chegou a ser visto como o melhor goleiro de toda a história do futebol brasileiro. Ainda há quem pense assim. Pela altura, comprimento de braços e pernas, somados à notável elasticidade, mereceu o rótulo daquilo que o torcedor chama de “paredão”. Era difícil fazer gol em Manga. Foi assim nas 445 partidas pelo Botafogo e seguiu assim em outros grandes clubes, como Inter e Grêmio de Porto Alegre e Nacional de Montevidéu. Dias ruins também aconteceram na trajetória de Manga, em especial no jogo em que Portugal eliminou o Brasil, na Copa de 1966, e na decisão do Campeonato Carioca de 1967, vitória do Botafogo sobre o Bangu, quando críticas à sua atuação resultaram em briga com João Saldanha, este, de revólver em punho, pondo Manga para correr. Por isso e por Jefferson, o botafoguense não tem motivos para sentir saudade. QUANDO O ÚLTIMO É O PRIMEIRO Deixar Garrincha por último é obviedade justificável. Sem ter a fúria de Heleno ou a superstição de Carlito, a responsabilidade de Nílton Santos ou a compenetração de Leônidas, a frieza de Didi ou a veemência de Gérson, Garrincha é o Botafogo. Mais do que craque, fenômeno. Mais do que objeto de análises lúcidas e lógicas, um anjodemônio a contrariar, sempre para melhor, os princípios que regem o esporte e a vida. Também por isso ele é o Botafogo. Se a identificação não é tão forte quanto a de Nílton Santos é porque Garrincha, derrubando marcadores, demolindo defesas, driblando como quem brinca, alegrando o povo, acabou adotado por outras torcidas, como se suas espetaculares atuações nas Copas de 1958/62 — ou como se os shows que todos pagavam para ver, mesmo que contra seus próprios times — fizessem de Garrincha um entidade tão do Brasil quanto do Botafogo. Sobre o que já foi dito, é possível partir de uma verdade: já não se fazem no Brasil tantos e tais craques como antigamente. Para chegar à outra: a falta de craques não atinge apenas o clube da Estrela Solitária. Verdade. Mas, clube “de craques”, de jogadores de exceção, de artistas que embelezavam o espetáculo, o Botafogo talvez não saiba viver sem eles. Nem o bom futebol sem o Botafogo. Fonte: JOÃO MÁXIMO - O Globo Online

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